Com “Sísifo”, Gregório Duvivier combina Hamlet e memes para fazer um auto retrato Histórico do Brasil.
EEntre os dias 1 e 2 de novembro ocorreu em Belo Horizonte, no Teatro SESIMINAS, as apresentações da peça de teatro Sísifo. A produção é um monólogo estrelado por Gregório Duvivier, com texto do próprio ator e de Vinicius Calderoni, conhecido por seu trabalho na área musical, cinematográfica e teatral.
O nome da peça faz referência ao mito grego homônimo. Na mitologia, Sísifo ficou conhecido por ser um dos mortais mais astutos, sendo capaz de enganar os deuses e a morte em duas ocasiões. Por conta de sua audácia em desafiar os deuses, Sísifo recebeu uma punição: por toda eternidade ele seria obrigado a empurrar uma pedra até o topo de uma montanha e toda vez que estivesse chegando ao topo, a pedra rolaria para baixo, fazendo com que ele tivesse que executar tudo de novo, num trabalho repetitivo e cansativo.

É com esta inspiração que o monólogo se desenvolve. Tudo começa com Gregório descrevendo o seu trajeto numa festa para pegar uma bebida, de forma que ele passa a repetir o mesmo movimento várias e várias vezes, acrescentando novos acontecimentos que vão ocorrendo durante essa travessia. É como se ele estivesse preso em um looping temporal, tendo de executar as mesmas ações repetidamente.
Esse enredo da festa é o ponto de partida para Duvivier discutir outras questões. Ele faz piadinhas em diversos momentos de Sísifo, faz referências à Hamlet, e compara a repetição de suas ações com um gif. Contudo, o monólogo não se contém apenas em entreter o público, sendo possível perceber certas críticas sociais ao longo da peça.
Uma das críticas aborda a necessidade que as pessoas têm de compartilhar tudo de suas vidas nas redes sociais, sempre mostrando o que estão fazendo no Instagram ou no Facebook. Além disso, em certo momento do monólogo, também é feita uma crítica relacionada à situação política do Brasil. Nesse momento, Duvivier relembra algumas tragédias que aconteceram ao longo dos últimos anos: o assassinato de Marielle e Anderson Gomes, o fogo no Museu Nacional do Rio de Janeiro, a morte de Ágatha Félix, as queimadas na Amazônia e as manchas de óleo no litoral brasileiro.
Além das críticas afiadas, dois outros elementos que chamam atenção em Sísifo são a trilha sonora e a iluminação, que variam de acordo com o assunto tratado. Sempre que Gregório pula da rampa, as luzes se apagam e surge um som que combina bastante com o contexto. Quando o ator está falando sobre o amor, é possível notar uma iluminação mais avermelhada, mas se ele está falando sobre um assunto mais triste ou até mesmo sobre o mar a iluminação ganha um tom mais azulado.
O grande ponto positivo de Sísifo é a presença de palco de Gregório Duvivier, que mesmo tendo que fazer movimentos repetitivos e cansativos, parece não perder a energia em nenhum momento. Ele pula, rola, dança, corre e sempre parece estar com a energia lá nas alturas; é revigorante assisti-lo. O ator é capaz de arrancar várias risadas do público, mas também é capaz de provocar profundas reflexões com as críticas apresentadas ao longo do monólogo.
É impossível negar a genialidade do monólogo escrito por Calderoni e Duvivier. Sísifo pode ser considerado um auto retrato da própria história, que parece se repetir de tempos em tempos.