Neste meio, a SM Entertainment é possivelmente a maior referência: hoje, seus grupos se encontram no Universo Cultural da SM (o SMCU), expandindo-se para um metaverso de histórias transmidiáticas conhecido como KWANGYA. De uma tangente, o EXO e o aespa engrossam o caldo com narrativas muito ligadas à fantasia (o Exoplanet e mundo digital da AI nævis, respectivamente). De outra, o NCT (sigla para Neo Culture Technology, traduzido livremente para Nova Cultura Tecnológica) dá consistência de uma forma mais “pé-no-chão” com histórias de questionamentos filosóficos e teorias sensoriais — mas sem esquecer, é claro, das constantes flertadas na ciência de fronteira.
Eles, que começaram com sete membros com a flexível sub-unidade NCT U, hoje englobam 23, mantendo-se fiel ao seu conceito-base de “um grupo de infinitos membros que irão debutar em diferentes sub-unidades interligadas”. E apresentando-se para o mundo, juntos eles encontram-se mais uma vez sincronizados em um mesmo sonho com o Universe, terceiro álbum do grupo.
Conceito narrativo
O conceito por trás do NCT lembra muito a união entre o filme A Origem, do Christopher Nolan, e a clássica série de ficção-científica Além da Imaginação. O primeiro caso por toda a questão de poder emergir nos sonhos alheios e os limites entre o que é imaginação e o que é a realidade. O segundo vem de um proposto em que todos os 23 membros estão conectados por esse único fio, permitindo-os se comunicarem e compartilharem os seus pensamentos e desejos, carregando-os para o mundo físico.

Embora tal ideia tenha sido relativamente esquecida nos anos mais recentes, a reunião anual do NCT em 2021 revisita este conceito tão explorado no início do grupo, em 2016, e dois anos após, em 2018. Tudo, é claro, como o resultado do grande anseio da SM em estabelecer de uma vez por todas o SMCU.
Neste ano, cinco curta-metragens formam o NCT 2021 YearDream, relembrando os fãs (os NCTzens) e entusiastas que o ponto-central do NCT encontra-se nas mensagens que ressonam do sub-consciente e do sonho para a realidade. Assim, eles dão continuidade à história dos cinco capítulos do NCTmentary (2018), que explicam o trabalho desses “agentes”, e os outros três episódios do SM_NCT (2016), que mostram as origens deste nascimento. E em 2020, meio perdido no meio, o NCT 2020 : The Past & Future – Ether traz aos fãs a história d’O Mar do Inconsciência, que, talvez não coincidentemente, é parte do conceito do Inconsciente Coletivo criado pelo psiquiatra suíço Carl Jung.
novos eixos
Narrado de forma coletiva e cronológica, é possível ver de forma bem clara como tudo isso dá consistência ao fio experimental que carrega a sonoridade experimental do NCT e suas sub-unidades, reformuladas recentemente para se distanciarem mais após dois anos entrando em consonância sonora. Neste meio, também é possível ver e ouvir a estética cyberpunk e tecnológica do grupo — muito bem exemplificada pela título Resonance, do NCT 2020. E ao expandir-se para o metaverso de KWANGYA, o mesmo engrossa a interessante e sólida construção do ambicioso SMCU.
Mas falando especificamente do Universe, o álbum do NCT 2021 é uma interessante caixinha de surpresas. 13 faixas montam a tracklist do disco, que dá a cada sub-unidade fixa uma música própria e trabalha diferentes formações e encaixes do NCT U para as outras nove músicas. Assim, vemos diferentes facetas do Tecnológicos, mostrando ao público a versatilidade e experimentação que tanto marca o grupo.

Universe
Universe é um trabalho que começa de forma impactante devido sua faixa de abertura. New Axis dita os tais dos novos eixos que irão guiar este projeto, cheio de batidas de hip-hop, R&B, EDM, rap, trap, house e pop ao longo dos 45 minutos de reprodução. Assim, os NCTzens podem se aventurar em instrumentais que vão dos mais carregados para os mais limpos, melódicos ou minimalistas.
Um ponto interessante nesta jornada é a capacidade do grupo em manter uma identidade coletiva e individual nos momentos certos. Nas faixas que são encarregadas ao NCT U, cada formação flerta com um gênero musical diferente e dá suas próprias cores às músicas. Assim vemos tanto batidas poderosas carregadas pelos versos da Linha de Rap (New Axis, OK! e Birthday Party) quanto gostosas melodias (Know Now, Round&Round e Vroom) ou baladas (Sweet Dream e Good Night) entonadas pela Linha de Vocais.
Já quando o assunto são as unidades fixas, vemos a personalidade de cada grupo emergir em produções que são muito identitárias para as suas respectivas sonoridades. Earthquake traz muito daquele hip-hop e forte percussão que marcam uma grande quantidade de títulos do NCT 127 — mesmo que, pessoalmente, seja a menos preferida entre as três das sub-unidades. O pódio se divide entre Dreaming, do DREAM, e Miracle, do WayV, por vezes pendendo mais para o grupo de c-pop. A primeira entrega ao público um NCT DREAM flertando ao house oitentista de forma melódica, trazendo o aspecto jovial do grupo dos mais novos do NCT. Já Miracle traz vocais limpos e sensuais à partição chinesa do grupo, em uma música 100% em inglês que parece dar sequência a sua super sexy título Love Talk.
Mesmo que duas ou três acabem sendo esquecidas com o rolar do disco, o Universe, como um todo, mantem-se preso à mente por muito tempo após a primeira reprodução. E ao ser apresentado pela viciante batida em looping de Universe (Let’s Play Ball) e finalizado pela emocionante balada Beautiful (a faixa anual que reune vocais de todos os 23 membros — ou 21, neste ano), o NCT 2021 mostra entender muito bem os caminhos sonoro e visual que eles querem seguir daqui pra frente, assim como o motivo pelo qual a SM é tão conhecida por ser uma fábrica de vocais feitos sob-medida.

para o mundo real
Em 2021, o “gabinete dos sonhos” do NCT é visualmente traduzido na forma de um ambiente espacial futurista altamente minimalista que muito lembra uma fábrica de montagem de androides à lá Westworld. Mas, diferentes dos autômatos criados pela Delos Corporations, estes estão interligadas através dos eixos de conexão inconsciente de seus respectivos membros. Um verdadeiro laboratório dos sonhos.
É interessante que a SM deixe isso muito claro através do álbum físico do Universe. Com direito até mesmo a coordenadas geográficas (37º32’40.2″N 127º02’40.0″E) para o local de acesso, duas dezenas de páginas dedicam-se a plantas, esquemáticos e manuais de montagem, explorando para além dos curtas o senso de coletividade e continuidade entre o físico e o mental que carrega o instigante e complexo conceito que cerceia o grupo.

Aos meros mortais fica apenas a curiosidade de saber o que o futuro aguarda e o que entrará na órbita do NCT no encontro de 2022.