“Sonic: O Filme” diverte pela forma descomplicada que trabalha as sequências de ação, na mesma medida que soa genêrico e sem personalidade.
DDe todas as mídias e formas de arte que servem de inspiração ou de materiais bases para adaptações cinematográficas, os games demoraram mais do que qualquer outra a saltar aos olhos de Hollywood. Contudo, com o desgaste aparente dos filmes de quadrinhos e super-heróis, parece que o potencial narrativo e de bilheteria das versões nas telonas dos jogos de videogames finalmente terão sua chance de ganhar vida.
É desse contexto que o projeto de Sonic: O Filme ganhou força e, também, acumulou polêmicas. A principal delas, qu e vai se tornando prática comum em Hollywood, se deu a partir da reformulação completa do visual do personagem-título que, após reveladas as primeiras imagens do longa, recebeu duras críticas do público na internet. Seguido pelo consequente atraso do lançamento devido as “refilmagens” e trabalho na pós-produção, o filme chegou aos cinemas para reafirmar o que se tem visto até então nas adaptações de games: os materiais fonte servem apenas como inspiração e base para apropriação de personagens e construção de universo, mas não se transporta para as telonas uma profundidade do cânone dos jogos.
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A escolha por essa forma de adaptação cria duas situações curiosas com o público. A primeira delas é que o espectador vai à sala de cinema com a expectativa de reconhecer na tela algumas semelhanças, easter eggs, características dos personagens (sejam na personalidade ou nos poderes e habilidades), dentre outros elementos nostálgicos da experiência de se aventurar nos jogos. Essa relação é também preponderante para esses novos filmes, já que seria minimamente ingênuo ignorar que os estúdios apostam nestes produtos para justamente com essa fácil conexão com o público, atingir número altos na bilheteria.

O outro lado dessa faca de dois gumes que fica evidente no filme do ouriço azul, é a falta de força na conexão do espectador com o que é apresentado na tela. O roteiro assinado por Patrick Casey e Josh Miller não consegue construir conexões reais entre os personagens e, consequentemente, essa falta de sinergia passa para quem assiste Sonic: O Filme e acaba encontrando uma experiência vazia na tela. Não há, em momento algum, sucesso ou até mesmo uma tentativa de entregar a catarse como a de segurar um controle na mão e comandar as ações do personagem de um game, algo que pode prejudicar a experiência de quem já criava expectativa pelo longa.
No centro de toda essa problemática, está a história de Sonic (dublado por Ben Schwartz), um ouriço com poderes de velocidade supersônica que se vê obrigado a viver na Terra, escondido da humanidade e acompanhando o dia a dia de Green Hill, uma pequena e pacata cidade suburbana do interior dos EUA. Afastado de convivência e sofrendo com solidão, Sonic encontra uma amizade com o xerife Tom (James Marsden) e se vê em uma encruzilhada quando o excêntrico e maluco Doutor Robotinik (Jim Carey) passa a persegui-los enquanto tentam chegar a cidade de São Francisco para encontrar os anéis do ouriço, capazes de abrir um portal para ele viajar a outro planeta e ficar em segurança.
Há quem diga que pedir por profundidade, que inclusive falta em peso para Sonic: O Filme, é algo esdrúxulo para uma película desta proposta. Não que houvesse da minha parte alguma expectativa de discursos ou temas profundos nas nuances do filme, mas o diretor Jeff Fowler não adicionar nenhum tipo de estofo ao roteiro fraco, que se escora na repetida jornada de dois heróis (Sonic e Tom) que buscam se encontrar no mundo e, só se realizam ou fecham um arco – que não consegue ser nem dramático, nem apresentar desenvolvimento de fato – ao entenderem a relação de amizade que tem.

Dentro dessa jornada, existe a materialização de toda essa transição em uma roadtrip pela costa Oeste dos Estados Unidos, com a dupla central da trama passando por situações que representam e reafirmam os valores estadunidenses como trajetória para esse aprendizado. Desde a concepção de Tom como o xerife virtuoso de uma cidade suburbana interiorana, passando pela reunião de motoqueiros festeiros em uma parada na estrada, à chegada na cidade grande símbolo do Oeste estadunidense e até o retorno para a pequena cidade onde Sonic, de fato, controla seus poderes e defende seu amigo e a cidade. Todas essas situações servem a um roteiro sem coesão e a uma direção operante que falham em construir algo mais forte, deixando se exaurir o potencial para se discutir tais temas e representações no filme.
Outra característica da pouco inspirada direção de Jeff Fowler é a falta de criatividade para as sequências de ação, que repetem o efeito do slowmotion utilizado com frequência em outros filmes recentemente, caindo em uma utilização genérica dos poderes do protagonista. Por outro lado, Fowler opta por sequências de ação descomplicadas e limpas, que divertem justamente por apostarem na simplicidade dos confrontos e na abordagem quase que lúdica de um Sonic que parece se divertir ao mesmo tempo que enfrenta os desafios.

É verdade que essa opção funciona e não atrapalha na percepção e entendimento das lutas, mas por Sonic: O Filme se tratar de um filme sobre um ouriço extraterrestre supersônico, pelo menos o uso dos poderes poderia ser um pouco mais ousado e caminhar para um recorte mais fantasioso.
Em um filme que falta estofo e arrojo, sobressai os poucos pontos que carregam personalidade própria. Apesar da polêmica e de reforçar uma relação problemática entre espectador e estúdios, cerceando a criatividade dos realizadores a partir da demanda de público, a correção do visual de Sonic funciona e entrega um personagem com texturas, vivo e real. James Marsden segura as pontas ao viver um xerife Tom virtuoso, engraçado e com bom timing cômico para as interações, mas sua falta de vontade para adicionar qualquer drama a encenação prejudicam a relação sentimental que é construída entre seu personagem e o protagonista.
O grande destaque é a abordagem afetada e irruptiva de Jim Carey para dar vida ao Doutor Robotnik. Sua natural habilidade para o humor físico e expressivo agregam na caricatura do vilão, que se apresenta como uma ameaça pouco preocupante verdadeiramente, mas divertida como um difícil chefão de videogame.
Talvez daqui a 10 anos, caso as adaptações de games conquistem um espaço consolidado como a galinha dos ovos de ouro da vez para Hollywood, vamos olhar para trás e ressignificar Sonic: O Filme como um dos precursores de um período em que ainda se entendia as possibilidades de levar para as telas essa outra mídia. Por enquanto, a primeira adaptação liveaction de Sonic acaba por ser uma aventura divertida, porém tão vazia, que esquecemos tão rápido quanto seu personagem título corre.